9 de outubro de 2006

The Brooklyn Follies



E se, de repente, um livro do Paul Auster tivesse um final aberto, mas satisfatório (ainda que triste, numa perspectiva global)? Daqueles que nos deixam a pensar que, finalmente, há um propósito na linha discursiva que não seja a deambulação eterna da personagem principal, nas ruas de Nova Iorque, à mercê do destino?
Parece mentira?!
- E é! Puro engano!
Em The Brooklyn Follies, Auster vai um passo à frente do leitor, incorpora a sua geografia e biografia privadas com os males da América contemporânea – com o “embuste Bush” (é verdade, são sinónimos) da fabricada vitória florida e o 11 de Setembro.
Estes fragmentos de realidade conferem credibilidade à demanda de Nathan Glass, personagem recém-regressada à Brooklyn da infância, preparado para nada de especial, que contudo, por força das circunstâncias, se reinventa, num período da vida em que a reforma, o afastamento da família e uma doença quase terminal apontavam para o exílio solitário.
Como num jogo de escondidas, Nathan Glass chega e salva todos (as personagens deste livro e os perdidos dos anteriores, o que ficou na cave, os que deixaram tudo por uma obsessão, os que se perderam da vida, os que perderam uma hipótese de amar…). Salva todos, antes do seu momento de epifania privado, perdido numa cama de hospital, em que finalmente apreende que não há nada a salvar, pois inevitavelmente tudo acaba. Porém, The Brooklyn Follies não é só mais do mesmo, é outra coisa, é um Auster mais cinquentão, mais atento e participativo, mais pai e amigo, mais capaz de humor corrosivo, porém com uma lágrima ao canto do olho.
Nathan simboliza o último fôlego, a capacidade de regeneração, a procura pela felicidade através de expressões de altruísmo; O seu projecto de escrever um livro sobre as Follies (loucuras, folias e bizarrias) humanas, concretiza a essência das intertextualidades casuais que povoam a sua e as nossas vidas.
A acrescentar a isto há sexo homo, hetero e bissexual; Um sobrinho obeso perito em curiosidades literárias, que abandona um futuro académico brilhante; Uma sobrinha ex-artista porno transformada em mulher de um devoto fanático religioso ex-tóxico-dependente; Um dono de uma livraria com um passado obscuro; Uma sobrinha-neta, de nove anos, capaz de votos de silêncio; O "Hotel Existence" (espaço onírico e utópico) e muitas outras loucuras.
The Brooklyn Follies é um livro sobre a memória de histórias, curiosidades e adivinhas passadas numa cidade de vidro – como o apelido da personagem – frágil e perecível metaforica e literalmente, com a queda das torres (de vidro) gémeas.
A última frase do penúltimo capítulo afirma:
One should never underestimate the power of books (p.302)
Acredito que esta tenha sido a intenção do autor ao escrever este texto: mostrar como um simples evento – o atentado de 11 de Setembro – pode mudar a arquitectura de uma cidade e remodelar o desdém, transformando cidadãos indiferentes do mundo em pessoas mais receptivas à vida.
Em suma, penso que Auster sabe que “o resto é silêncio”, mas isso não o impede de acreditar que, enquanto por cá andamos, o melhor é ir gastando palavras e afectos.
Paul Auster: The Brooklyn Follies, Faber and Faber, London, 2006 (paperback edition)
O mais recente livro de Auster, Travels in The Scriptorium, apareceu nas livrarias inglesas dia 5 de Outubro, em edição em capa dura. (mais detalhes, quando houver edição em capa mole)

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