Não obrigada, já dei!
Não há volta a dar. Por onde quer que ande há alguém que quer qualquer coisa. À saída do supermercado querem que eu contribua para ajudar as crianças ou famílias, com deficiências, ou sem casa, ou sem comida, ou com doenças graves. No parque de estacionamento, surge um homem engravatado, sabe-se lá de onde (qual deserto marroquino em que atrás de cada duna há um vendedor de alguma coisa) e tenta vender-me uns jogos didácticos para as minhas crianças. Digo-lhe que não tenho filhos e fico a pensar que a mentira é má, pois o banco de trás do carro em que estou sentada desmente por completo a afirmação! Saio finalmente do estacionamento e tropeço numa senhora com um filho ranhoso ao colo que quer que lhe compre pensos, ou o Borda de Água. Arranco sem abrir a janela! Nova paragem, nova investida: Desta vez é a revista Cais. Como fazer as pessoas compreender que já comprámos esse número? Depois são os bombeiros, os amigos dos animais, os escoteiros, os da abraço, os do cancro, os da fibromialgia, os do coração, os da esclerose, os do alzheimer, os do apoio à vítima, os com lúpus, os..... Chego a casa e vejo o correio: Amnistia Internacional, AMI, cartões de Natal pintados com os pés e a boca e mais 23 ONGs que precisam da minha ajuda já... Abro finalmente a porta de casa, entro no meu mundo suburbano, atiro com tudo o que carrego para o chão e vou directa à prateleira do escritório. Pego nervosa no livro e encontro o trecho que procuro:
No primeiro semáforo já não tenho trocos. No segundo já não tenho casaco. No terceiro não tenho sapatos. No quinto estou todo nu. No sexto já dei o Volkswagen. No sétimo aguardo que a luz passe a encarnado para assaltar por meu turno, de mistura com uma multidão de bombeiros, de estudantes, de drogados e de microcefálicos o primeiro automóvel que aparece. Em média mudo cinco vezes de vestimenta e de carro até chegar ao meu destino, e quando chego, ao volante de um camião TIR, a dançar numas calças enormes, os meus amigos queixam-se de eu não ser pontual. (1)
Respiro fundo e penso que alguém já falou nisto melhor do que eu. Logo o homem que muita gente acusa de ser imperceptível! Depois penso que hoje, dia 6 de Julho de 2007, faz 100 anos que nasceu Frieda Kahlo que transformou a adversidade, a doença e a depressão em arte...
(1) António Lobo Antunes, Livro de Crónicas, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1998, p. 22
No primeiro semáforo já não tenho trocos. No segundo já não tenho casaco. No terceiro não tenho sapatos. No quinto estou todo nu. No sexto já dei o Volkswagen. No sétimo aguardo que a luz passe a encarnado para assaltar por meu turno, de mistura com uma multidão de bombeiros, de estudantes, de drogados e de microcefálicos o primeiro automóvel que aparece. Em média mudo cinco vezes de vestimenta e de carro até chegar ao meu destino, e quando chego, ao volante de um camião TIR, a dançar numas calças enormes, os meus amigos queixam-se de eu não ser pontual. (1)
Respiro fundo e penso que alguém já falou nisto melhor do que eu. Logo o homem que muita gente acusa de ser imperceptível! Depois penso que hoje, dia 6 de Julho de 2007, faz 100 anos que nasceu Frieda Kahlo que transformou a adversidade, a doença e a depressão em arte...
(1) António Lobo Antunes, Livro de Crónicas, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1998, p. 22
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