5 de março de 2007

Nós, os Possidónios e os Pirosos

(…) Mas voltando aos suburbanos há pormenores que eles coitados não aprendem por mais que a gente os eduque, por mais amestrados que pareçam estar, continuam a dizer lábios em lugar de beiços, funeral em lugar de enterro, vermelho em lugar de encarnado, prenda em lugar de presente, vista em lugar de olho, conduzir em lugar de guiar, falecer em lugar de morrer, escutamos uma palavra dessas e sentimos um arrepio a paralisar-nos a espinha, quando a minha secretária, para não ir mais longe, se sentava ao meu colo e me chamava fofo, perdia a erecção para um mês, é uma tristeza ter de afirmar isto mas a verdade é que existem três categorias de pessoas, nós, os possidónios e aqueles que os possidónios chamam pirosos, de modo que pergunto eu como é possível haver democracia, o meu voto valer o mesmo que o de um sujeito amancebado com uma megera que dá dois beijinhos em lugar de um? (…) na minha opinião a grande asneira do Salazar foi ser tão ingénuo que consentiu que essa gentinha, as Fernandas, as Fátimas, os Vítor Manuéis, os Carlos Albertos, enriquecesse, comprasse andares no Cacém, entrasse na Universidade, entrasse no Exército e o resultado, pudera, aí está, cartões dourados, engarrafamentos, Telheiras e partidos políticos, os comunistas quase a tomarem conta disto, a organizarem festarolas com cantorias e discursos (…)

© António Lobo Antunes: O Manual dos Inquisidores (1996)

6 comentários:

Luisa disse...

Sinto-me péssimamente, sou uma pirosa!
Mas estou bem acompanhada...

Ups, entrou-me uma coisa para a vista, nem pude conduzir durante três dias, e ficou vermelha! Por pouco não faleci...e ainda fique com herpes labial, que bela prenda.

Mas também, "herpes beiçal", ou os "beiços da sua amada" não tem ponta por onde se pegue...o quê, tiramos a "carta de guiação"??

Ouriço disse...

Vistes?
Fostes?
Comestes?

Ouriço disse...

Relativamente ao item Reading in progress, tentei mas não consegui....

Carla Ferreira de Castro disse...

Entretanto, já acabei e gostei bastante tinha-me dado mal com As Horas, mas tenho a sensação de que foi de ter lido a má tradução portuguesa. Já me reconciliei com a estranheza do Cunningham. É um livro que desafia os parâmetros do que é tido como normal, para mostrar que, independentemente das opções religiosas e as orientações sexuais, a raça humana quer basicamente o mesmo ser feliz!

Ouriço disse...

ahhhh
lestes....

Carla Ferreira de Castro disse...

Caríssimo Ouriço,
Acho que pode começar a tratar-me mais informalmente, pois esse tratamento na 2ª pessoa do plural (vós comestes, vós lestes, vós fostes) começa a ser demasiado rebuscado para os nosso tempos. Enfim, vós percebestes o que quero dizer...