15 de dezembro de 2006

Palavras Difíceis

Muitas palavras difíceis juntas… Muitas vozes, demasiadas vozes que intervalam o coro de outras vozes, muitas palavras difíceis juntas. Tudo isto tem o Ontem não te vi em Babilónia, de Lobo Antunes. O autor encontrou o nome do livro num muro em Jerusalém e não me admira que o tivesse adoptado de imediato pois todas as vozes que vivem dentro deste livro coabitam na Babilónia privada do autor.
Quem já experimentou ler Lobo Antunes sabe que não é tarefa ligeira, não se leva para a praia e para a piscina, para o metro e para o WC. É um autor omnipresente, porque exigente, reclamando a atenção constante do leitor, a perseverança e a capacidade de voltar atrás. Criou-se a reputação que “os seus livros não são de leitura fácil”, da mesma forma que se colou com super-cola três a noção que os filmes do Manuel Oliveira são “parados”.
Passando à Babilónia que é o livro, admito que é complicado, exigente e não dá tréguas! OITO narradores, cada um com uma versão, poucos nomes para os identificar e uma ilusão onírica, presente na noite de insónia que os tais OITO narradores experienciam em simultâneo. Não se lê de uma assentada, nem ficamos com vontade de ver como a história se desenrola, pois o mote é imutável, apenas com alterações de ponto de vista.
Fascina-me a forma como Lobo Antunes está a fechar-se nas letras, como cada vez mais escreve para si, encerrado num mundo de vozes repetidas, que alternam com silêncios prolongados. Não sei se desliga o aparelho auditivo para sentir melhor estas vozes e se isolar no silêncio, não sei se aprendeu a estratégia da repetição com os doentes que teve, o que é facto é que este livro está cheio de ecos. Nenhum dos narradores conta uma história cronologicamente ordenada, antes se perdem nos fios da memória e nas frases recorrentes que povoam os seus cérebros em tumulto, repetindo um refrão (quase ladainha) até ao ponto de saturação.
Admito que gostei de ler, não tanto por o que o livro me deu mas pelo que me mostrou ter escondido – as obsessões, a solidão e o silêncio da noite. Gostei de perceber que Lobo Antunes está a ficar Beckettiano, Joyciano e até mesmo Pessoano (se pensarmos n'O Marinheiro) já não escreve histórias, compõe minuciosamente textos feitos de palavras… Muitas palavras difíceis juntas...

4 comentários:

Kinder disse...

Fosga-se. Cum camandro. Aposto que o livro é tão denso que nem deve arder mesmo regado com gasolina.

Carla Ferreira de Castro disse...

É um livro absolutamente ignífugo!

Mitra disse...

Não será mais um tenífugo?

Carla Ferreira de Castro disse...

Não sei, não tenho animais de estimação cá em casa para experimentar e as crianças estão desparasitadas!