13 de fevereiro de 2017

Happy Valentine’s Day ou Os Fantasmas de Valentins Passados




Há dias assim, que por culpa da tradição e do santo consumo, pega-se na religião e justifica-se o voraz apetite por gastar euros com o cumprir do calendário!
Ainda bem que há Benfica, ainda bem que amanhã a culpa dos restaurantes não se entupirem de gente para degustar comida pseudo-moderna em doses diminutas, é do Benfica! Venham as bifanas gordurosas e as imperiais geladas, cheias de amor pelo próximo, desde que os alemães percam!
Eu cá gosto de celebrar, tudo e mais alguma coisa, enquanto a memória não me atraiçoar, por isso já embarquei no conto do São Valentim algumas vezes, outras nem tanto… Depende do que dá jeito: quando as miúdas eram pequenas fazia comida em forma de coração e elas chegavam felizes pois havia sempre um professor de Inglês que estimulava a troca de Valentine cards e como elas eram populares arrebanhavam uns quantos e era uma festa; sim e eu sei que isto dos Valentine cards é para os miúdos praticarem o inglês e tal, mas a verdade é que há miúdos que escrevem o dito cartão e não recebem e isso é tramado, é uma forma de começarem cedo a perceber o seu valor na bolsa dos afectos e a escola a cumprir metas para lá do programa educativo, ensinando a gerir a autoestima, sejam as expectativas altas ou mais subterrâneas.
Voltando a dias dos namorados, lembro-me sempre de um excerto de um texto da Luísa Costa Gomes em que um casal comemora o seu aniversário de décadas e, sentados à mesa do restaurante, vão pedindo comida, sem olhar muito a gastos porque “festa é festa!”. Estou certa que amanhã, aparecerão no meu feed das redes sociais fotos de pessoas felizes a celebrarem o santinho o que prova que as redes sociais estão nos antípodas da Literatura e que apenas se dedicam aos amores sem história, os felizes! Que bom seria se pudéssemos de forma descomplexada partilhar na cronologia os fantasmas dos namorados/ maridos/ companheiros do passado, sem termos medo de relembrar episódios menos felizes! Um grande cemitério virtual das relações passadas em que, por exemplo, o timeline do facebook não assinalasse só os casamentos e os noivados mas criasse um marco para as separações, não apenas uma menção relativa à mudança de estado civil. Apagar o passado é tentar reescrever a história e não vale a pena, pois a história tende a repetir-se!
Neste dia de São Valentim com ou sem culpa do Benfica, mas lembrando que o encarnado é a cor do amor e do coração, embora julgue que seja mentira, pois ainda na semana passada vi a minha filha mais nova com um coração de porco recém-morto e era bem azul, vamos jogar mais ao ataque e menos à defesa, pois neste dia o cartão encarnado é aceitável, vamos deixar de culpar o árbitro e vamos encher os restaurantes para comer o pão que o Cupido amassou, vamos abraçar os francesismos, os cremes, camas e infusões, destilando olhares cúmplices para os telemóveis, para nos assegurarmos que o amor do vizinho não é melhor do que o nosso! Se isso não resultar, vejam o novo filme da trilogia das 50 Shades e acreditem no poder da imitação, já que umas palmadas qualquer um consegue dar, ou receber, ao passo que uns passeios em jactos privados é mais coisa para o outro Christian, o Ronaldo!

9 de fevereiro de 2017

24 ANOS A CAMINHO!

Faz hoje 24 anos que comecei a trabalhar na Universidade de Évora! No início ia de carro e tinha um quarto alugado, o chamado quarto da criada, ao lado da cozinha, gelado e inóspito, em Invernos ainda sem Alqueva, nem aquecimento global! Ao fim de uns meses, decidi alugar um quarto na pensão Giraldo, que partilhava com colegas de Lisboa, dependendo dos dias que tínhamos em comum! Depois da pensão e do quarto ao lado da cozinha, já dormi em celas de seminários, em hotéis, hostels e guesthouses!

Quando comecei a trabalhar os meus pais tiveram de me avançar dinheiro para fazer face a estas despesas, antes do primeiro ordenado; Quando comecei a trabalhar só havia auto-estrada até Setúbal; A6, só bem mais tarde: trocava boleias com colegas: rendez-vous às 5:30 na cidade universitária, rumo a Évora e às aulas de inglês específico das 8:30, no tempo em que os cursos de engenharia agrícola e zootecnia tinham 80 alunos! Tinha um carro sem ar condicionado, com 4 velocidades, a gasolina (um belíssimo Opel Corsa Swing, preto) e algumas funcionárias mandavam-me sair das salas e esperar pelo professor cá fora! Tinha 22 anos e o cartão jovem, a confusão delas era absolutamente justificada!
Em 24 anos dei aulas de inglês a quase todos os cursos da universidade: informática, engenharia civil, zootecnia e agrícola, arquitectura paisagista, ensino básico, turismo, sociologia, gestão, economia, matemática, química, turismo, relações internacionais, geologia e biologia, engenharia de materiais, enfermagem e cursos nocturnos em Évora, Castelo de Vide e em Borba (a terminarem à meia-noite, mas já com A6 para regressar). Dei e dou aulas de literatura, tradução e cultura, aquelas em que me especializei e as que me fazem investigar sempre e ser mais feliz; Fui orientadora de estágios em Évora, Portalegre, Beja, Estremoz, Almodóvar, Vila Viçosa, Vendas Novas, Sines, Santo André, Arraiolos, Elvas, Alcácer do Sal e Montemor! Fui parada em múltiplas operações auto-stop e, por duas vezes, fui multada! Troquei 5 vezes de carro, tive acidentes e avarias e cheguei a fazer 100000 kms num ano! Em dias de mais de 35 graus, cheguei a parar debaixo de chaparros para dormir sestas, antes de regressar a casa! Nos núcleos de estágio perto do mar, a partir de Março, levava sempre a toalha de praia e fato de banho, para aproveitar melhor os tempos mortos; nas escolas perto da fronteira, ao fim do dia, ia a Badajoz às compras! Só ao fim de dois anos a fazer Lisboa-Évora-Lisboa é que tive telemóvel: o normal era ligar para casa, caso fosse preciso, do telefone fixo!
Há 24 anos entrei recém-licenciada na Universidade de Évora, como assistente estagiária, e, nestes anos todos, casei, fiz mestrado em Lisboa, tive filhas, fiz doutoramento, mudei 3 vezes de casa (cheguei a fazer durante 5 anos Azeitão - Évora, na companhia veloz de uma colega e querida amiga) fiz amigos, perdi amigos e a única constante (para além da família e dos amigos) foi o trabalho no mesmo ponto do Alentejo que, até à entrevista de emprego, em Janeiro de 1993, apenas conhecia de uma visita de estudo de liceu! Tudo porque num cocktail da Nova para alunos Erasmus, no tempo em que a reitoria era no Príncipe Real, onde é hoje a Embaixada, um
Professor me falou num concurso de recrutamento de pessoal, na Universidade de Évora, ao qual devia concorrer! A primeira pessoa com quem me cruzei, no dia da entrevista, tem hoje uma filha de quem sou madrinha!
Comecei a dar aulas na Casa Cordovil que, no cúmulo do avant-garde, tinha wc mistos para os colegas; Entretanto, passei para o Colégio do Espírito Santo, mas já dei aulas em todos os edifícios: na referida Casa Cordovil, no Colégio do Espírito Santo, no Palácio da Inquisição (hoje museu), no colégio Luís Verney (antigo quartel), no Pedro da Fonseca, no Palácio do Conde Vimioso, na Escola de Enfermagem e na Mitra, todos menos na escola de Artes (uma falha imperdoável, para quem lecciona literatura e artes). Há 4 anos, no advento da crise, tentando reduzir as despesas em simultâneo com a pegada ecológica, troquei o carro a gasóleo por um autocarro da Rodoviária e depois pelo comboio! Comprei uma vespa para agilizar a minha vida de casa às estações rodoviária e ferroviária e deixei definitivamente de dormir em Évora! Hoje fui abençoada com um belo duche matinal dos céus para celebrar a efeméride!
Ao fim de 24 anos, ainda me deslumbro, ainda me sinto turista a subir a Rua Serpa Pinto, ainda me espanto em certos becos, ainda fotografo Évora, nos kms a pé que separam as estações da universidade... Se preferia ter esta profissão mais perto? Talvez, claro, mas este quase quarto de século faz parte de mim e foi determinante para chegar a este momento, ao dia de
hoje, no autocarro, a caminho de Évora!
Sinto-me grata a todos os que, ao longo destes anos, se cruzaram comigo: São muitos, mais de metade desta lista de amigos, nesta rede social, por isso não me atrevo a identificar-vos! Apenas quero agradecer a todos, pois todos me trouxeram aqui, hoje, ao 1o dia do semestre par de 2016/2017, 24 anos depois!
(Sim, eu sei que o post é longo, mas bolas são 24 anos, não 24 horas, e tenho de me entreter nas viagens de autocarro)

Post originalmente escrito e publicado no FB, dia 07/02/2017
Foto de Carla Ferreira de Castro.