Delírio de meia-idade
Amanhã é o meu aniversário! Estou
oficialmente à meia-idade! Não vale a pena dizer que os quarenta, quarenta e
picos, são os novos 30s e os 30s são os novos 20s, pois a única coisa que ainda
não conseguimos driblar é algo que parece um dado adquirido mas que tem uma
poesia intrínseca maravilhosa – a “esperança de vida”. Ora a esperança de vida
média, para as mulheres, em Portugal, é de 82,2 anos (dados de 2011) o que quer
dizer que, de acordo com as estatísticas, estou na meia-idade. Por isso
lembrei-me de fazer, em canal aberto, o balanço de meia vida.
Uma personagem de Beckett no À Espera de Godot diz uma frase
espantosa, pela sua simplicidade, How
time flies when one is having fun, que traduz aquilo que sinto em relação à
vida que os meus pais me deram e à viagem que comecei, na segunda-feira, dia 13
de Julho de 1970,às 8h05 da manhã. O que nos confere identidade é a memória e é
graças ao poder de recordar que consigo elaborar este balanço. A memória é
sempre mais permanente quando os acontecimentos são especialmente marcantes,
positiva ou negativamente. Hoje, porque é dia de festa, celebro as coisas boas
que a vida me trouxe:
·
Uns pais extraordinários que me deram asas para
persistir e nunca desistir (acreditem que não é teimosia, nem obstinação, é
mesmo persistência) e uma formação católica mais ou menos praticante, que me
tem acompanhado pela vida, em todos os momentos;
·
Um marido fantástico com quem viajo no amor há
22 anos, umas vezes de avião, outras de carro, de comboio, de mota, de
bicicleta ou a pé, umas vezes depressa, outras devagar, mas sempre em segurança;
·
Umas filhas muito procuradas que me entraram
pela vida adentro, de rompante, quando menos esperava, e que me alteraram as
entranhas (e claro que não falo apenas do pneu à volta da barriga nem da
cicatriz das cesarianas…);
·
Uma família próxima que me deu raízes em vários
pontos de Portugal e, depois, por afinidade, em vários pontos da Europa; Hoje
lembro com saudade os meus avós que sempre se lembravam do meu dia de
nascimento e do meu primo, com quem trocava mimos de aniversário e brindava com
gin!
·
Uns amigos -ia escrever verdadeiros, mas
lembrei-me que só há amizade com verdade- em quantidade acima da média das
estatísticas, com quem partilho e celebro muitos momentos importantes. Eles são
a família adotada e confesso que são tantos e tão bons (muitos com filhos que
se tornaram “sobrinhos” e até afilhados) que, às vezes, penso que a quota da
amizade está preenchida, pois é difícil encontrar momentos para estar com
todos! Tenho comigo amigos desde bebé, amigos da escola, amigos da
universidade, amigos de trabalho e amigos de amigos, que amigos se tornaram…
Alguns estão espalhados pelo mundo e as redes sociais ajudam-nos a não
perdermos o rasto e o contacto (e dito isto, lembro-me que muitos amigos não
falam português e que, provavelmente, para este delírio de meia-idade chegar a
todos eles, ainda terei de fazer uma tradução para Espanhol e para Inglês);
·
Um trabalho que me ensinou a reformular
conhecimentos, a perceber que quanto mais avançamos maiores são as dúvidas e a
responsabilidade e maior tem de ser a humildade para aprender de novo a
conhecer e a fazer. Celebro ter tido a sorte de me cruzar com professores/mestres, colegas e alunos
que me ensinaram a questionar, investigar, reformular paradigmas e a aceitar
que não podemos travar todas as batalhas mas podemos escolher as “guerras de
ideias” em que queremos entrar e de que lado vamos estar.
Enfim, são 41 anos de vida que se
completam, com amor, humor, junto de todos os que quero e me querem bem, em
todas as disposições e em todas as estações do ano.
Ergo o meu copo “virtual” à saúde
de todos os que passaram na minha vida, aos presentes e aos ausentes; cada um constitui
uma tatuagem de identidade na minha memória!
Com a viagem a meio, deposito uma
enorme esperança de vida na meia-idade que a estatística me diz que ainda
tenho, pois sei que o futuro está cheio de sonhos por acontecer!