O bilhete da liberdade na saúde e na doença
Hoje é tudo mais limpo e mais distanciado… Os hospitais têm parques de estacionamento de superfície e subterrâneos, já não há nervos para encontrar lugar cá fora, deixar o carro semi‑pendurado numa árvore, ter de ir de táxi ou de autocarro, aumentando a angústia do momento da consulta externa, ou da visita… Hoje chegamos e partimos como quem paga um bilhete de estacionamento que se guarda em sítio seguro, pois é o garante que vamos por pouco tempo…Hoje os hospitais são centros comerciais de doença, públicos ou privados e patrocinados por bancos que ditam a cor das instalações.
Quem vai por mais tempo tem de fazer os preparativos inerentes à viagem pela doença - Faz a mala, deixa o carro e pede uma boleia ou chama um táxi e, em casos mais difíceis, deixa a casa limpa e os papéis em ordem… Dizia-me a minha avó materna que sabemos sempre quando saímos de casa mas nunca sabemos quando vamos regressar! Dizia-o numa tentativa de estimular que deixássemos a casa arrumada para não “parecer mal” se tivéssemos de entrar com visitas inesperadas mas, num sentido mais profundo, tinha muita razão, a avó Isabel, e muitas vezes me lembro das suas palavras!
Ultimamente, por força da vida e das doenças, tenho visitado hospitais, clínicas, centros de saúde e instituições médicas em geral… Desde o final de Dezembro tenho tomado contacto com inúmeras realidades: O Hospital-hotel; o Hospital-público; o centro de saúde do bairro; a clínica de radiologia… Tenho ido nas diversas qualidades: visita, doente, acompanhante. Porém, o único denominador comum é que posso sempre levar o carro, posso sempre sair passado algum tempo e essa liberdade da saída marca a fronteira entre a saúde e a doença…
Ter alta é uma coisa maravilhosa, poder passar os portões de um hospital e deixá-lo para trás, ainda que seja por umas horas ou um dia, é sempre um momento de libertação! Quando fui mãe o momento que mais me comoveu não foi o dia do nascimento das minhas filhas, foi o dia em que mas deixaram levar para casa… Lembro-me de subir muitas escadas chorando em silêncio, de alegria. Os hospitais, independentemente de terem melhores ou piores condições são espaços de limite, de grande dor, mas também de grande alegria: a dor da perda, do desengano, do desconsolo de ter chegado ao fim das soluções e a cura não aparecer, a alegria de ter enganado a doença, de ter adormecido o mal, de ter vencido a morte, ou de ter uma nova vida nas mãos!
Passo os portões à entrada nos hospitais e sinto que vou de encontro a edifícios cheios de desilusão e esperança e cada vez que o faço esforço-me por não pensar muito nisso, para não ser piegas, porque a saúde e a doença necessitam de optimismo e sentido de humor para não serem tão pesadas!
Às vezes penso que muito do heroísmo dos médicos advém da conquista diária de deixarem o hospital e recuperarem a liberdade. Nestes últimos dias tenho respirado fundo, num prazer egoísta, antes de passar os portões à saída, depois da hora da visita, e nesses instantes o bilhete do parque transforma-se num passaporte para um mundo cheio de oportunidades!