Quarentena Dia#16: mais logo, de madrugada, muda a hora e os meus relógios vão ficar todos certos, ao fim de cinco meses em desalinho. Todos os anos tenho este ritual e a mudança de hora, no último fim de semana do mês de março, costuma marcar a minha libertação de um tempo aprisionado que me rouba, ao longo dos meses de outono e inverno, uma hora solar que os meus relógios de pulso, no carro, na mota e no despertador teimam em relembrar.
Pode ser que o tempo também encontre um caminho de nos restituir a normalidade, não a liberdade - essa existe na nossa mente e só depende de nós, da forma como encaramos as circunstâncias e do valor que atribuímos ao conceito de felicidade. Desculpem, soltei o Paulo Coelho que tinha escondido atrás de uma gordura do fígado, entre o pâncreas e o Richard Bach, quando devia ter soltado um Ghandi ou um Mandela, ou até mesmo um Schopenhauer, mas como a minha batalha consiste apenas em ficar em casa, achei impróprio recorrer a artilharia pesada.
Ao sermos privados da normalidade dos dias, tecidos de repetições mecânicas dos mesmos gestos e passos, deram-nos um momento de suspensão em que se conclui o óbvio: que podia ser melhor, mas também podia ser bastante pior: revejo-me no ensinamento de Santo Agostinho, tão apropriado na quadra Pascal, que nos relembra que um dos ladrões foi condenado, mas o outro, Dimas, foi salvo e que nos 50% que nos são dados, cada qual pode escolher ver o lado solar, do copo meio cheio, ou o sombrio, do meio vazio ou apenas um copo a meio (comigo depende muito da bebida: um copo de Monte Velho estará sempre meio cheio, mas o mesmo copo com Quinta do Vesúvio estará sempre meio vazio, por exemplo.)
Neste confinamento “voluntário” imposto, mas aceite sem luta, instaurado para impedir o contágio de um inimigo microscópico que viaja através da proximidade, penso no privilégio que tenho em poder estar rodeada do essencial, em termos de afecto, cuidados de saúde, conforto e tantos pequenos grandes luxos (estou a pensar na tecnologia, na música, filmes e livros, na garrafeira e nas 3 pessoas com quem estou a cumprir este tempo, sem esquecer o frigorífico que tem gelo de três tamanhos, em modo automático). Penso nos outros, os que não são tão afortunados e depois sigo para terrenos mais pantanosos (acima do fígado, lá no lugar do coração onde deixo bater Shakespeare, Beckett e Wittgenstein): penso muito nas crianças que morrem de fome ou por falta de vacinação; Penso nos que fogem da guerra e se amontoam em campos de refugiados, à mercê de toda a miséria; Penso sobretudo nos que perecem vítimas das suas fragilidades e que são reduzidos a números que não traduzem que foram avós, pais, filhos, irmãos, maridos, mulheres ou amigos de alguém, que foram ou são amados e conhecidos pelo nome próprio. No outro dia, a Cláudia, na sua crónica, lembrou-me as palavras do John Donne, cuja obra fui reler, (meditação XVII, que podem ler aqui: http://www.luminarium.org/sevenlit/donne/meditation17.php) e que ficou célebre pelas palavras “nenhum homem é uma ilha”; Contrariando a metafísica de Donne, neste tempo somos todos ilhas de um enorme arquipélago feito de medo onde estamos a navegar à vista, sem itinerário certo, sem sair de casa; Porém, lendo a meditação de Donne, o que me fica é que os sinos dobram por ti, por mim, por todos, sempre que dobram por alguém que parte, a célebre frase que Hemingway se apropriou para título do seu romance.
Quem sai esporadicamente vive a nova realidade enfeitada de máscaras, luvas e a tresandar a álcool; um novo quotidiano feito de filas e de distância, de silêncios comprometidos e de olhares de desconfiança; Tempos de uma total dependência da tecnologia por tantos repudiada e agora imprescindível, onde ser fit também passa por ser menos info-excluído; Quem sai diariamente para trabalhar, para cuidar de todos, talvez já se tenha acostumado a este lado soturno, talvez já consiga encontrar a esperança no meio das ruínas da nossa vida anterior; A mim, alegra-me saber que a hora vai mudar dentro de casa, onde muitas coisas ainda permanecem iguais (menos a garrafeira) e que estamos mais próximos do fim da clausura, mas também fico desaustinada por termos passado mais um dia voluntariamente entregues à prisão domiciliária do corpo, enquanto tantas vidas se perdiam na inexorável frieza dos números. E penso se nestes tempos de vida em pausa aprendemos algo enquanto indivíduos e comunidade que mude definitivamente atitudes no tempo depois da espera.
Sei que hoje vos enganei, não era isto que vinham à espera de ler, pois não, seus junkies de sarcasmo alheio? Apeteceu-me ser maçadora, como os que colam uma mensagem em corrente no mural para ver quantos chegam ao fim e depois copiam e colam no mural deles, não vá o corona tecê-las e fazer-lhes a folha! Ainda bem que o meu ligeiro TOC, não diagnosticado formalmente, nunca me deu para essas adições a correntes, talvez porque acredito e prezo demasiado a liberdade. Contudo, se for uma corrente da Tiffany’s, contem comigo, estou disponível para abrir uma excepção, mas não partilho, aceito-a e fico com ela!
28 de março de 2020
3 de dezembro de 2017
13 de fevereiro de 2017
Happy Valentine’s Day ou Os Fantasmas de Valentins Passados
9 de fevereiro de 2017
24 ANOS A CAMINHO!
Faz
hoje 24 anos que comecei a trabalhar na Universidade de Évora! No
início ia de carro e tinha um quarto alugado, o chamado quarto da
criada, ao lado da cozinha, gelado e inóspito, em Invernos ainda sem
Alqueva, nem aquecimento global! Ao fim de uns meses, decidi alugar um
quarto na pensão Giraldo, que partilhava com colegas de Lisboa,
dependendo dos dias que tínhamos em comum! Depois da pensão e do quarto
ao lado da cozinha, já dormi em celas de seminários, em hotéis, hostels e
guesthouses!
Em 24 anos dei aulas de inglês a quase todos os cursos da universidade: informática, engenharia civil, zootecnia e agrícola, arquitectura paisagista, ensino básico, turismo, sociologia, gestão, economia, matemática, química, turismo, relações internacionais, geologia e biologia, engenharia de materiais, enfermagem e cursos nocturnos em Évora, Castelo de Vide e em Borba (a terminarem à meia-noite, mas já com A6 para regressar). Dei e dou aulas de literatura, tradução e cultura, aquelas em que me especializei e as que me fazem investigar sempre e ser mais feliz; Fui orientadora de estágios em Évora, Portalegre, Beja, Estremoz, Almodóvar, Vila Viçosa, Vendas Novas, Sines, Santo André, Arraiolos, Elvas, Alcácer do Sal e Montemor! Fui parada em múltiplas operações auto-stop e, por duas vezes, fui multada! Troquei 5 vezes de carro, tive acidentes e avarias e cheguei a fazer 100000 kms num ano! Em dias de mais de 35 graus, cheguei a parar debaixo de chaparros para dormir sestas, antes de regressar a casa! Nos núcleos de estágio perto do mar, a partir de Março, levava sempre a toalha de praia e fato de banho, para aproveitar melhor os tempos mortos; nas escolas perto da fronteira, ao fim do dia, ia a Badajoz às compras! Só ao fim de dois anos a fazer Lisboa-Évora-Lisboa é que tive telemóvel: o normal era ligar para casa, caso fosse preciso, do telefone fixo!
Há 24 anos entrei recém-licenciada na Universidade de Évora, como assistente estagiária, e, nestes anos todos, casei, fiz mestrado em Lisboa, tive filhas, fiz doutoramento, mudei 3 vezes de casa (cheguei a fazer durante 5 anos Azeitão - Évora, na companhia veloz de uma colega e querida amiga) fiz amigos, perdi amigos e a única constante (para além da família e dos amigos) foi o trabalho no mesmo ponto do Alentejo que, até à entrevista de emprego, em Janeiro de 1993, apenas conhecia de uma visita de estudo de liceu! Tudo porque num cocktail da Nova para alunos Erasmus, no tempo em que a reitoria era no Príncipe Real, onde é hoje a Embaixada, um
Professor me falou num concurso de recrutamento de pessoal, na Universidade de Évora, ao qual devia concorrer! A primeira pessoa com quem me cruzei, no dia da entrevista, tem hoje uma filha de quem sou madrinha!
Comecei a dar aulas na Casa Cordovil que, no cúmulo do avant-garde, tinha wc mistos para os colegas; Entretanto, passei para o Colégio do Espírito Santo, mas já dei aulas em todos os edifícios: na referida Casa Cordovil, no Colégio do Espírito Santo, no Palácio da Inquisição (hoje museu), no colégio Luís Verney (antigo quartel), no Pedro da Fonseca, no Palácio do Conde Vimioso, na Escola de Enfermagem e na Mitra, todos menos na escola de Artes (uma falha imperdoável, para quem lecciona literatura e artes). Há 4 anos, no advento da crise, tentando reduzir as despesas em simultâneo com a pegada ecológica, troquei o carro a gasóleo por um autocarro da Rodoviária e depois pelo comboio! Comprei uma vespa para agilizar a minha vida de casa às estações rodoviária e ferroviária e deixei definitivamente de dormir em Évora! Hoje fui abençoada com um belo duche matinal dos céus para celebrar a efeméride!
Ao fim de 24 anos, ainda me deslumbro, ainda me sinto turista a subir a Rua Serpa Pinto, ainda me espanto em certos becos, ainda fotografo Évora, nos kms a pé que separam as estações da universidade... Se preferia ter esta profissão mais perto? Talvez, claro, mas este quase quarto de século faz parte de mim e foi determinante para chegar a este momento, ao dia de
hoje, no autocarro, a caminho de Évora!
Sinto-me grata a todos os que, ao longo destes anos, se cruzaram comigo: São muitos, mais de metade desta lista de amigos, nesta rede social, por isso não me atrevo a identificar-vos! Apenas quero agradecer a todos, pois todos me trouxeram aqui, hoje, ao 1o dia do semestre par de 2016/2017, 24 anos depois!
(Sim, eu sei que o post é longo, mas bolas são 24 anos, não 24 horas, e tenho de me entreter nas viagens de autocarro)
Post originalmente escrito e publicado no FB, dia 07/02/2017
assim falou Carla Ferreira de Castro às 12:43 0 gritos
marcadores Aqui na Terra
5 de janeiro de 2017
Os dias em que as Apps e um Boy me salvaram!!
11 de dezembro de 2016
O Porto é uma cidade num país estrangeiro!
assim falou Carla Ferreira de Castro às 16:39 0 gritos
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30 de novembro de 2016
Bionic Fashion: I am Titanium...
assim falou Carla Ferreira de Castro às 12:32 0 gritos
marcadores Aqui na Terra
23 de março de 2016
How did it feel?
How did it feel to leave the house, Tuesday morning, knowing you were going to be driven by a taxi, you so diligently rang for, to your death and to the unpredictable slaughter of a number of anonymous people?
Did you go to bed the night before? Did you set the alarm clock for a certain hour to get on time to yours and many others’ meeting with death?
How did it feel when you set the bomb, when you pressed the button, when you set the pace for stop being? Did you feel omnipotent, with a dash of nostalgia for leaving life undone, or did you just focus on the task of death ahead, instead?
How did it feel when you looked your fellow comrades in the eyes? Did you wave a silent goodbye before shouting the death prayer? Did you get the chance to browse around to check out your victims at the check in counter? Did you get to choose the best spot, to take the largest crowd you could?
In death you never know, you don’t want to know, except you did know and I keep wondering, in spite of faith, religion, revengeful thoughts, and beliefs, how did it feel to leave the house to die and kill, yesterday morning?
12 de julho de 2012
Delírio de meia-idade
8 de março de 2012
Quando crescer não vou fazer nada!
assim falou Carla Ferreira de Castro às 10:07 0 gritos
marcadores Cuguismos, Cultura e etc.