25 de janeiro de 2011

Faz de Conta

O corte no ordenado... Já sabia há muito que ia ser menor, que ia ser um bocado grande mais pequeno (perdoem-me a contradição). Sempre que se trata de dinheiro, provavelmente por resquícios de uma infância em que a Matemática sempre fez sentido quando convertida em dados concretos - tens 10 chocolates e 3 amigos, o que fazes? - tenho tendência a converter o dinheiro no se poderia ter feito ou, neste caso, o que não vou fazer. Só quem não tem muito dinheiro consegue concretizar tão bem... Por isso é que os meus sonhos utópicos (porque não jogo) de ganhar o Euromilhões ficam sempre inacabados.., para o primeiro prémio. Será sempre mais fácil ganhar o 2º ou o 3º, ou mesmo o 4º prémio pois muito dinheiro acarreta responsabilidades pessoais e sociais maiores. Com muito dinheiro já não se ajuda somente a família e os amigos, existe a obrigação de ir mais longe e deve dar um trabalho dos diabos escolher uma causa boa, justa, livre e limpa!

Voltando ao ordenado: É menor, é como uma multa de excesso de velocidade que nos deixa a pensar: se eu tivesse passado mais devagar estaria agora 120 euros mais rica e até podia ter comprado aquele papel de parede extravagante com que ia forrar o WC! O problema é que, desta vez, recebo um corte salarial não por ter passado em excesso de velocidade, mas porque há muito que o país anda em excesso de despesa e optou pela via rápida de reduzir punindo os alvos mais a jeito: o belo funcionário público que no fim da conversa ainda remata: "ainda vamos tendo emprego é o que conta!" Pois para mim não conta!

Passei os últimos 18 anos a leccionar e a investigar, a apresentar as provas que me foram sendo solicitadas. Nunca subi na carreira docente por ter anos de serviço, mas por provas dadas. Aliás, ao contrário da maior parte dos funcionários públicos, eu e tantos outros como eu, continuamos sem ter o cargo assegurado - ainda este ano será, mais uma vez, reavaliada a minha relevância, após apreciação de um relatório de nomeação que talvez me vincule, não ao estado, à universidade onde trabalho há 18 anos, com excesso de horas lectivas, de alunos e de outros encargos burocráticos e com a pressão de ter de investigar e publicar pois tudo conta!

O corte no meu ordenado é dizerem-me "vá directamente para a prisão, sem passar pela casa partida!"

O corte no meu ordenado é uma forma de me dizerem que os 6 anos que investi no doutoramento me deram apenas 1 título, que agora se consegue em metade do tempo! Não tenho grandes hipóteses de progredir uma vez que as vagas são cada vez menores, pois o império das cotas impede a criação de novos concursos...

Fui uma aluna Erasmus, fiz uma licenciatura, um mestrado e um doutoramento pré-Bolonha e tudo isso me trouxe aos dias de hoje... ao corte orçamental que sofri. O que é que eu penso hoje, quando vejo o meu salário e o converto não em chocolates, mas em portagens, gasóleo e contas de casa de um agregado de 4 pessoas (dois adultos e duas crianças, em idade escolar)?

- Faz de conta que não fiz o doutoramento e que ainda sou assistente!

- Faz de conta que não tenho 156 alunos, múltiplas disciplinas diferentes anualmente, de primeiro e segundos ciclos e artigos para escrever, grupos de trabalho com projectos para apresentar, avaliações a que serei submetida...

- Faz de conta que está tudo bem!

Já não preciso de esperança, já só quero o sonho e talvez o esquecimento! Isso ou o 2º prémio do Euromilhões!